A eleição na CBF é um retrato escancarado do fracasso institucional do futebol brasileiro. A sucessão na principal entidade esportiva do país segue o roteiro de sempre, em um processo viciado, hermético e feito sob medida para perpetuar o poder de dirigentes inaptos e comprometidos com o sistema.

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Neste domingo, Samir Xaud, presidente eleito, mas ainda não empossado da Federação Roraimense de Futebol, registrou sua chapa para concorrer à presidência da entidade, com apoio maçico das federações estaduais, o que o faz supor que ele seja candidato único — e, portanto, a ser eleito por aclamação no próximo dia 25.

Samir Xaud é candidato único na eleição da CBF, portanto, ele será empossado no próximo dia 25 de maio / Divulgação

Ele é mais do mesmo. É o triunfo da cartolagem, como consequência de um jogo de cartas marcadas. É, ao mesmo tempo, uma derrota dos clubes, que mais uma vez perdem uma ótima oportunidade de dar um grito de independência e consolidar uma ruptura ao caos vigente.

Apoio de 25 federações

Com o apoio de 25 das 27 federações estaduais (apenas São Paulo e Mato Grosso ficaram fora) e de dez clubes — Amazonas, Botafogo, CRB, Criciúma, Grêmio, Palmeiras, Paysandu, Remo, Vasco e Volta Redonda —, Xaud tornou inviável a inscrição de qualquer chapa de oposição.

Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista, mesmo contando com o apoio de 30 clubes da elite do futebol brasileiro, está fora do jogo. O motivo? A cláusula de barreira imposta pelo estatuto da CBF, que exige apoios mínimos de federações e clubes para registrar uma candidatura.

Essa regra é perversa. Ela distorce o processo ao ponto de impedir a existência de mais de uma chapa — como ocorre agora. A eleição está decidida antes mesmo da votação, porque o sistema foi desenhado para bloquear qualquer concorrência. Não há disputa, não há debate, não há pluralidade de ideias ou projetos. Nesse modelo, a eleição se dá na composição das chapas e não na vontade expressa pelo voto na urna.

Sede da CBF no Rio: se nada acontecer até o próximo domingo, casa do futebol terá como presidente Samir Xuad / CBF

A eleição da CBF virou uma encenação burocrática para validar um único nome — escolhido a portas fechadas, sem participação real dos clubes e, muito menos, da sociedade esportiva. Tudo a toque de caixa, aproveitando o vácuo criado por uma decisão judicial que afastou Ednaldo Rodrigues do cargo. Tudo de forma orquestrada, a ponto de o atual interventor da entidade, responsável por normalizar a nova eleição, constar da chapa de Xaud numa das vice-presidências.

Cartolas no comando

A figura de Samir Xaud representa, de forma simbólica, esse atraso. Ainda que ele tenha o benefício da dúvida por ser desconhecido, o que lhe dá a chance de poder demonstrar que não é farinha do mesmo saco, não se deve esperar dele propostas de renovação de fato. Afinal, ele herdou a presidência da federação de Roraima do próprio pai, que ficou quatro décadas no poder sem entregar absolutamente nada de relevante ao esporte.

Para usar um termo da moda, é uma espécie de ‘presidente reborn’, gerado numa linha de montagem de cartolas feitos em série. Agora, chega à presidência da CBF sem nunca ter tido protagonismo no futebol nacional. Não se conhece projeto, proposta ou ideia sua para o futuro do esporte. O que se sabe é que ele é produto de uma articulação de bastidores, que o colocou à frente da entidade com a bênção do establishment da cartolagem.

Digamos que tem tudo para ser mais uma marionete no exercício do poder, diante de um teatro montado para que tudo continue exatamente como está.

Dirigentes de clubes de Libra: Nem ela nem a Liga Forte conseguiram se organizar para as eleições da CBF / Divulgação

Sua chapa diz muito. Traz nomes como Fernando Sarney (atual interventor da CBF e ex-membro do Conselho da Fifa), Flávio Zveiter (ex-presidente do STJD), e presidentes de federações pouco representativas nacionalmente: Ednailson Leite (AM), Vanildo da Silva (RN), Michelle Ramalho (PB), Ricardo Gluck Paul (PA), Rubens Angelotti (SC), entre outros.

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Com todo o respeito, é o terceiro escalão da política esportiva brasileira assumindo o primeiro posto do futebol.

E os clubes?

Os clubes estão mais uma vez calados. Dispersos. Incapazes de se unir por um projeto independente. Era o momento ideal para deixarem de lado suas rusgas infantis, a rivalidade histórica, e se organizar para fundar uma Liga Nacional de verdade. Independente e forte, capaz de gerir campeonatos, arbitragens, calendários e direitos de transmissão. Mas, como sempre, optaram pelo conforto da submissão. Pela dependência.
Perderam. De novo. Este, no entanto, não é apenas um erro estratégico. É um ato de covardia histórico.

O fracasso coletivo também escancara o enfraquecimento dos dois blocos que hoje tentam organizar o futebol fora da CBF — Libra e LFU. Ambos mostraram pouca capacidade de articulação, nenhum senso de urgência e uma total incapacidade de formar uma frente unificada. O resultado é o esvaziamento de qualquer esperança real de autonomia.

A fragmentação dos clubes, mais uma vez, serve perfeitamente aos interesses da CBF e das federações que a controlam. E que não venham reclamar depois. Porque o futebol brasileiro está sendo entregue — mais uma vez — a quem não joga, não investe, não treina, não entra em campo, mas que manda. Manda muito. E sempre manda contra os interesses do próprio jogo.

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